quarta-feira, 7 de março de 2012

Criança com autismo é capaz de avaliar o que a torna feliz

Criança com autismo é capaz de avaliar o que a torna feliz

Estudo demonstra a viabilidade de transpor a barreira comunicacional do autista para coletar informações sobre bem-estar.


Uma das grandes dificuldades ao se avaliar a qualidade de vida de crianças, é que a maioria dos questionários disponíveis são respondidos por pais, responsáveis ou profissionais. No caso da criança com autismo tal fato é ainda mais marcante, uma vez que são poucas as pesquisas com este tema. Pessoas com autismo apresentam déficits de interação social, linguagem e interesses restritos e estereotipados. Por isso, muitas vezes parece difícil conseguir informações mais precisas sobre quem pertencen ao espectro autista, sem a intervenção de alguém que mantenha um contato mais direto. Entretanto, um estudo realizado pela terapeuta ocupacional Marília Bernal, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, mostrou que é possível extrair da própria criança com autismo, respostas sobre sua qualidade de vida e o que a torna feliz.

Para a pesquisa foram utilizadas duas escalas: a Escala de Comportamento Adaptativo de Vinneland, que avalia o comportamento adaptativo das crianças, em áreas de atividades de vida cotidiana, linguagem e socialização, e uma escala que se propõe a avaliar os traços autísticos (ATA) por meio de pontuação de sintomas. Ao todo, 30 crianças entre 4 e 12 anos com autismo de alto funcionamento (crianças do espectro autista com melhor linguagem verbal e adaptação ao meio em que vivem), de Instituições especializadas em autismo da Grande São Paulo e da capital, foram submetidas a um questionário, (Autoquestionnaire qualité de vie enfant imagé [AUQEI]), que consistia em perguntas sobre atividades e situações cotidianas, com um suporte de imagens, que auxiliavam nas respostas das crianças (algumas respostas eram representadas por carinhas felizes e tristes).

Este mesmo questionário foi adaptado para a terceira pessoa, a fim de que os responsáveis e professores pudessem respondê-lo pensando na criança. Assim foram respondidos pelos respectivos familiares das crianças e pelos 24 educadores que as acompanhavam. Nos resultados foram comparadas 3 amostras: crianças e familiares; crianças e educadores, e educadores e familiares.

Crianças mais felizes

Respostas diferentes aconteceram apenas em quatro perguntas referentes aos itens: sala de aula, lição de casa, quando pensa na mãe e quando brinca sozinho. Para os professores as crianças em sala de aula, fazendo a atividade de casa e pensando em suas mães, são mais felizes do que quando avaliadas pelos familiares. Já os familiares (quase todas mães) avaliariam as crianças mais felizes quando brincam sozinhas do que os seus professores.

A resposta dos três grupos ao questionário demonstrou que a qualidade de vida das crianças estudadas é satisfatória. Entretanto, duas foram as principais revelações: o questionário mostrou ser sensível para a análise da qualidade de vida de pessoas autistas mesmo quando respondido por adultos. Também demonstrou acessibilidade e facilidade para que o autista o compreenda e por si só e possa respondê-lo. Marília diz que “o resultado do estudo foi muito importante porque demonstra a viabilidade de se encontrar meios ainda melhores que extrapolem a barreira comunicacional com o autista. Além de ser possível a valorização da resposta da própria criança com autismo. E é isto que verdadeiramente importa para o profissional: valorizar a criança, descobrir se ela está ou não feliz com sua vida, além de buscar entender os motivos que a levam a ter um ou outro sentimento.”

Os resultados ainda demonstram que há a necessidade de se validar métodos já pré-existentesou de se buscar por novas formas de avaliar pessoas com autismo tendo por base respostas que venham delas. A pesquisadora também ressalta que “os dados da pesquisa são importantes para a estruturação de serviços que atendam esta população.”

O mestrado Qualidade de vida e autismo de alto funcionamento: percepção da criança, família e educador foi defendido em 2010 e orientado pelo professor Francisco Baptista Assumpcao Junior, do IP.

Por Sandra O. Monteiro

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